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Interpretação da Lei Muitos Anos Após a Sua Promulgação

Publicado por Escritório Jorge Lobo em 15/03/1998

INTERPRETAÇÃO DA LEI MUITOS ANOS APÓS A SUA PROMULGAÇÃO

“A interpretação não só evolui como não pode deixar de evoluir” (CLÓVIS)

A moderna dogmática do Direito tem sustentado, com carradas de razão, que as teorias dos doutos, dedicadas ao estudo do fenômeno jurídico, não devem ocupar-se, apenas e exclusivamente, do direito-em-si, mas voltar-se para a sociedade, pois não se pode separar a doutrina da praxis, devido à ininterrupta interação, numa autêntica dialética, que as aproxima. Em verdade, como pregam os adeptos da teoria crítica, o direito é uma “realidade construída pelo homem no processo histórico e em permanente transformação” (LUIZ FERNANDO COELHO, Teoria Crítica do Direito, Ed. Fabris, 2ª ed., p. 18), sendo que as leis de conteúdo econômico, como, v.g., a de falências e concordatas, são as primeiras e as que mais profunda e radicalmente sofrem os efeitos das violentas e, às vezes, abruptas mutações de ordem econômica e que, por isso, mais exigem, do arguto exegeta, uma interpretação evolutiva, ou melhor, histórico-evolutiva-construtiva.

Diante desse fato categórico e insofismável, pergunta-se: como deve proceder o juiz – intérprete e executor da lei -, ao constatar perplexo que determinada norma legal reproduz os ideais e valores que outrora inspiraram o legislador, mas que são incompatíveis com as considerações de Justiça no momento de sua aplicação?

Deve o juiz, conforme ensinam os corifeus da “Escola da Exegese”,aplicar a lei tal como foi concebida pelo legislador, editada pelo executivo e sempre entendida pelos magistrados, ou, como doutrinou ALFREDO BUZAID, “o intérprete, examinando uma norma, que tem 50 anos, não está incondicionalmente vinculado a procurar que razão induziu o legislador de então, mas qual é o seu fundamento racional hoje e sob esta medida decidir”,e, assim agindo, insurgir-se contra a lei em vigor, interpretando e decidindo consoante os ditames de sua consciência esclarecida e os gerais reclamos da sociedade em que vive, mesmo que, com tal procedimento, crie uma nova ordem jurídica e seja acoimado de violador de texto claro de lei (vetusta e ultrapassada) vigente?

Desde a “Escola Filosófica do Direito” ou “Escola do Positivismo Científico”, fundada, em 1798, pelo jus-filósofo alemão THIBAUT, “os dois requisitos fundamentais que uma boa legislação deve apresentar são a perfeição formal e a perfeição substancial” (cfr. NORBERTO BOBBIO, O Positivismo Jurídico, Ed. Icone, 1ª ed., p.58). Ocorre, todavia, que, por ser o Direito um fato histórico, como pensa RECASÉNS SICHES, ou, como quer GUSTAV RADBRUCH, um fato cultural, a norma, que regulou, exemplarmente, quer sob o aspecto formal, quer sob o prisma substancial, determinada situação jurídica durante longo período, pode, tempos depois, não mais discipliná-la de maneira satisfatória, passando a ser absolutamente condenável a sua aplicação tal como ela foi concebida, explicitada e imposta em época pretérita, pois, com o surgimento de novos valores, as soluções, para situações jurídicas antigas, que continuam a reproduzir-se no presente, devem, parece curial, inspirar-se em novos valores, diferentes, senão diametralmente opostos, dos que ditaram a elaboração do preceito legal, que, quando da sua promulgação, foi tido como perfeito e, por isso, durante largo tempo, comandou, a contento, as situações jurídicas que visava desde a sua concepção abarcar. Em verdade, se bem observarmos, não apenas surgem, aqui e alhures, situações novas que merecem, ou melhor, exigem regras normativas próprias, portanto, regras normativas novas, como, por igual, situações antigas, por vezes antiquíssimas, centenárias, senão milenares, se repetem que impõem, por força do aparecimento de novos valores, soluções novas, porquanto, como pontifica o fundador da “Escola Vitalista do Direito”, a norma jurídica deve ser interpretada evolutivamente de acordo com a lógica da razão vital.

Ao interpretar leis antigas tendo por orientação a lógica da razão vital, o exegeta, seja ele professor, advogado ou juiz, não levará em conta os valores que inspiraram o legislador, mas os valores dominantes no instante em que procede à análise da norma para solucionar o caso concreto, realizando, dessarte, ao corrigir uma norma deficiente, inadequada naquele momento histórico, um trabalho de hermenêutica jurídica evolutiva-construtiva, sem temer a advertência de RIPERT: “Le juge n’as pas le pouvoir de crér la régle juridique” (Les forces créatices du droit, 1955, p. 383), e de BEAUPRÉ: “Lorsque que le texte, sons une forme impérative, est claire e précise, ne prêtant à aucun équivoque, le juge est obligé de s’incliner et d’obéir” (apud EDUARDO ESPÍNOLA, Sistema de Direito Civil, Conquista, 1960, vol. I, p. 34).

Destarte, deve o juiz seguir as idéias de EZEQUIEL PONDÉ, para quem “à letra da lei tenha sempre liberdade de preferir o seu espírito. E quando este não puder ser mais aquele que se procurou ou devera ter imprimido no texto, porque tenha cessado a razão de sê-lo ou se lhe venha a mostrar precisamente outra a do caso sujeito — não sacrifique a justiça ao capricho dum pensamento iníquo, surdo aos protestos que dela possam emergir” (O juiz e a forma de sua atuação nas aplicações do direito, Revista da Faculdade de Direito, Bahia, 1915, p. 77/125), pois, como adverte EDUARDO ESPÍNOLA,“o juiz não é propriamente um legislador suplente; mas tem a faculdade ou, mais precisamente, o dever de aplicar a lei inteligentemente, como corresponda às necessidades sociais” (Sistema de Direito Civil, Ed. Conquista, 1ª ed., vol. I, p. 199).

Ao agir dessa forma, dará execução ao magistério de CLÓVIS BEVILÁQUA, que pontificou: “O intérprete, esclarecendo, iluminando, alargando o pensamento da lei, torna-se um fator da evolução jurídica. É certo que a sua ação é limitada pelo próprio edito da lei, e se este se recusa a aceitar as modificações sociais, o intérprete nada mais tem que fazer senão esperar que o legislador retome a sua empresa atrasada e, enquanto este momento não chega, pedir à razão jurídica que lhe revele a norma a seguir” (A função do intérprete, in Revista do Direito, de BENTO DE FARIA, 1913, vol. 29, p. 253).

Autor(es) : Jorge Lobo

A moderna dogmática do Direito tem sustentado, com carradas de razão, que as teorias dos doutos, dedicadas ao estudo do fenômeno jurídico, não devem ocupar-se, apenas e exclusivamente, do direito-em-si, mas voltar-se para a sociedade, pois não se pode separar a doutrina da praxis, devido à ininterrupta interação, numa autêntica dialética, que as aproxima.

Interpretação da Lei Muitos Anos Após a Sua Promulgação

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