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Antecipação de recebíveis futuros, um “caso controvertido”          

Publicado por Escritório Jorge Lobo em 27/11/2023

Jorge Lobo*

“As organizações não morrem devido à falta de lucros. Elas morrem de falta de caixa.” (Willian Lazier)

Herbert L. A. Hart e Ronald Dworkin, nos seus livros de Filosofia do Direito, polemizam sobre a solução dos “casos difíceis”, isto é, aqueles em que “o direito não tem nenhuma resposta” (Dworkin) e os que estão numa “zona de penumbra de incerteza” (Hart).

 “Casos difíceis” podem transformar-se em “casos controvertidos”, isto é, aqueles em que o juiz se depara com interpretações díspares de juristas de nomeada e decisões conflitantes, proferidas por egrégios tribunais de Justiça.

A antecipação de recebíveis atuais foi um “caso controvertido”; a de recebíveis futuros continua a sê-lo, conforme é de domínio público e constatou criteriosa pesquisa, realizada por Teixeira Fortes Advogados: de 30 acórdãos do TJSP, lavradosentre 2.014 e 2.022, 16, os excluíram da recuperação judicial; 14, adotaram orientação contrária, cabendo ressaltar, com ênfase, que o julgamento do AgInt. no REsp. nº. 1.932.780-SP (2.021/01110156-79), da Terceira Turma do STJ, não pôs fim ao dissídio jurisprudencial.

Diante do fato de os clássicos métodos de interpretação da lei – filológico, lógico, sistemático e teleológico – não terem extinguido o dissenso, o que cumpre ao juiz fazer?

O juiz deve “mergulhar” no cotidiano das empresas, atentar para as vantagens econômicas e competitivas inerentes a esse eficiente mecanismo de capitalização, adotar uma abordagem pragmática, instrumental e empírica do caso (Richard A. Posner), agir com judiciosa discricionariedade, ponderar os efeitos práticos de sua decisão e ter em mente:

“Primeiro”: enquanto permanecerem contabilizados no “contas a receber”, os recebíveis só servem para melhorar o rating das empresas.

Isso, contudo, não basta; para quem quer, antes e acima de tudo, manter-se em atividade e, depois e sempre, expandir-se, é imprescindível monetizá-los.

“Segundo”: a antecipação de recebíveis atuais e futuros em recursos financeiros disponíveis é o meio mais simples, rápido, barato e eficaz de prover o caixa com dinheiro novo.

“Terceiro”: ela é realizada com celeridade (sem a tirania do aparelho burocrático), por vezes sem garantias (do devedor ou de terceiros dependo do risco de crédito) e a custos reduzidos (menores taxas de juros); fortalece o capital de giro, estrutura o fluxo de caixa e melhora os indicadores de liquidez; torna as empresas mais eficientes, prósperas e resilientes.

“Quarto”: com dinheiro em conta corrente e aplicações financeiras disponíveis, as empresas, i.e., têm reais possibilidades de negociar condições diferenciadas com fornecedores de bens e serviços e bancos e instituições não financeiras; rivalizar com as concorrentes; enfrentar a ameaça de produtos substitutos.

“Quinto”: se, como ensina o Professor de Negócios na Stanford University’s Law Scholl, Willian Lazier, “as organizações não morrem devido à falta de lucros. Elas morrem de falta de caixa”, é imperioso estimular a transformação de recebíveis em dinheiro, para ser usado a todo e qualquer momento para o que “der e vier”.  

“Sexto”: julgamentos contrários ao fiduciário, vão encarecer os negócios com recebíveis (taxas de juros e spread mais elevados em virtude do aumento do risco de crédito e da diminuição do número de operações, que reduzem o ganho em escala do credor), retardá-los e restringi-los (devido à demorada avaliação dos riscos); inibir o crescimento do florescente mercado de special situations, “classe de ativos que representou cerca de 25% do capital privado disponível para investimento em 2.022”. (Valor, ed. 5.859)

“Sétimo”: julgamentos contrários ao fiduciário, vão determinar a utilização em grande escala da chamada “proteção contratual”, isto é, das cláusulas que restringem a liberdade de gestão (convenants) e formalizam a constituição de garantias reais e pessoais para prevenir perdas por inadimplência do devedor.

“Oitavo”: a antecipação de recebíveis, contratadas vezes sem conta em todos os cantos do país, beneficia, direta e indiretamente, empresas, sócios/acionistas, empregados, prestadores de serviços, credores, consumidores, a coletividade, municípios, estados e a União Federal.

“Nono”: estabelecida como paradigma a manchete do Valor, ed. 5.824, onde se lê: “Brasil tinha 3,8 mil companhias em recuperação judicial no primeiro semestre”, submeter à recuperação da fiduciante os recebíveis futuros, cuja posse e domínio lhe pertencem, embora em caráter resolúvel, certamente iria prejudicar mais de 2,1 milhões de empresas “saudáveis” para – supostamente – “proteger” 3,8 mil “combalidas”.  

“Décimo”: o STF adotou o pragmatismo jurídico para resolver “casos controvertidos”, i.e., descriminalização do aborto; união homoafetiva; registro civil para transgêneros; equiparação entre injúria racial e racismo; porte de maconha; lei da ficha limpa.

Ciente da importância da antecipação de recebíveis futuros para o mercado de bens e serviços e o mercado financeiro e de capitais, consciente dos efeitos econômicos e sociais que a sua sentença produzirá e no exercício responsável do poder discricionário que a lei lhe confere, o juiz deve decidir que a antecipação de recebíveis futuros, ou não performados, ou a performar, não se submete aos efeitos da recuperação judicial da fiduciante.                          

*Jorge Lobo foi Curador de Massas Falidas do MPRJ e é advogado.


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