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Aplicação do artigo 17 da Lei 6404/76

Publicado por Escritório Jorge Lobo em 20/11/1997

“É essencial que as palavras da lei despertem em todos os homens as mesmas idéias” (MONTESQUIEU, De l’esprit des lois, vol. II, p. 290).

A norma do artigo 17 da Lei 6404/76, com a redação da Lei 9457/97, aplica-se de imediato a todas as ações das companhias ou apenas às ações que vierem a ser emitidas após 5.6.97, data da entrada em vigor da Lei 9457/97?

Três correntes pretendem responder a essas indagações: a) para uns, a lei deve ter aplicação imediata e geral, por tratar-se de lei de ordem pública, atingindo as ações antigas e novas; b) para outros, a lei só se aplica às ações que vierem a ser emitidas, porque os titulares de ações ordinárias em circulação possuem o direito adquirido de receber dividendos na forma preconizada na Lei 6404/76; c) para alguns, embora sustentando que não há falar em direito adquirido à percepção de dividendos, mas em mera expectativa de direito, que pode não se concretizar se a companhia não der lucros, a lei só se aplica às ações futuras, pois a questão se resolve pelo princípio geral de que deve ser preservada a situação jurídica do antigo acionista, que, ao adquirir ações, teria sido estimulado pelo fato de que sempre lhe seria assegurada uma participação nos lucros anuais, semestrais ou trimestrais na forma estatutária, ressaltando que a nova regra do artigo 17, se aplicada de imediato, trará prejuízos para o ordinarista, que o Direito nem pode permitir, nem tolerar, e um benefício não previsto, nem, pois, esperado pelo acionista titular de ações sem dividendo mínimo ou fixo, porquanto, concluem os adeptos dessa corrente, o acionista titular de ações ordinárias, se aplicada a todas as ações a nova regra do artigo 17, participará do rateio de um montante inferior àquele que seria distribuído se observada a antiga norma do artigo 17.

Fique claro, desde já, que a questão envolve duas das mais importantes finalidades da dogmática jurídica, como soem ser a “segurança das relações jurídicas” e a “certeza do direito”, que asseguram o respeito aos direitos fundamentais do indivíduo, entre os quais os elencados no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, em especial a inviolabilidade dos contratos livremente celebrados, havendo eminentes autores que consideram “a segurança jurídica o fim primordial e a razão de ser do Estado de Direito” (cf. ANGEL LATORRE, Introdução ao Direito, Coimbra, Ed. Almedina, 1978, p. 55), e, ademais, que os estatutos de uma sociedade anônima faz lei entre as partes, é um ato jurídico perfeito e acabado regulador das relações políticas e patrimoniais dos sócios, um indiscutível contrato plurilateral típico, celebrado para disciplinar as relações jurídicas e econômicas, presentes e futuras, entre aqueles que adquiriram ou subscreveram ações, o que autoriza a conclusão que, aplicada, de imediato, a norma do artigo 17 a todas as ações da companhia, teremos, sem dúvida, uma quebra da regra contratual e um prejuízo injustificado dos acionistas titulares de ações ordinárias e um benefício inesperado e não pleiteado, um enriquecimento sem causa dos preferencialistas, porquanto, ao repartir-se entre todos os acionistas da companhia os lucros, os preferencialistas 17, serão aquinhoados, sem jamais terem cogitado ou pleiteado, com o dividendo superior ao que caberá aos ordinaristas.

Será, pergunta-se, que a lei nova não atingirá, de forma violenta e injustificada, os efeitos (futuros) de uma situação jurídica (ato jurídico perfeito e acabado) definitivamente constituída (no passado), que sempre garantiu e deve continuar a garantir aos acionistas ordinaristas a percepção de um dividendo previsto nos estatutos sociais, e, ao mesmo passo, não violou o direito dos ordinaristas, assegurado por norma estatutária expressa e categórica, para privilegiar uma categoria de acionistas que jamais teve direito algum a um dividendo prioritário?

Sem dúvida que sim, por isso pensamos, com a devida vênia, que a questão se resolve pelo princípio de que, se a lei nova alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados antes de sua entrada em vigor, haverá uma aplicação retroativa, porque vai atingir um ato ou fato ocorrido no passado, o que não é permitido pela Constituição Federal, artigo 5º, XXXVI, sendo certo, como deixou claro o Ministro MOREIRA ALVES, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 493-0-DF, que: “… esse preceito constitucional se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Aliás, no Brasil, sendo o princípio do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada de natureza constitucional, sem qualquer exceção a qualquer espécie de legislação ordinária, não tem sentido a afirmação de muitos — apegados ao direito dos países em que o preceito é meramente legal — de que as leis de ordem pública se aplicam de imediato, alcançando os efeitos futuros do ato jurídico perfeito ou a coisa julgada, e isso porque, se se alteram os efeitos, é óbvio que se está introduzindo modificação na causa, o que é vedado constitucionalmente” (Boletim ADV especial, p. 26). Ora, se a norma do artigo 17, ao atingir um ato jurídico perfeito, como sói ser o estatuto social de uma sociedade anônima, quebra critério contratual, fixado em função da regra revogada, que assegurava maior participação dos ordinaristas nos lucros da companhia, e, ademais, inova substancialmente o estipulado pelos acionistas no estatuto social, ela, se aplicada retroativamente, é, francamente, inconstitucional, daí a conclusão de que a nova norma do artigo 17 só se aplica às novas ações das companhias, na esteira da lição de DERNBURG (Pandette, pág. 109), que elucida: “As novas leis não têm força retroativa, isto é, não se referem a aquilo que foi juridicamente constituído no passado, mas só ao que deve ser judicialmente constituído no futuro” (apud EDUARDO ESPÍNOLA, Sistema de Direito Civil, Ed. Conquista, 1960, vol. I, p. 224), e, por igual, de CHIRONI e ABELLO, que doutrinam: “ toda lei governa os atos executados sob o seu império, e se a antiga regula àqueles que tiveram origem quando ela governava, a nova regerá os que surgiram e surgirão enquanto tiver vigor … De outro modo, as relações humanas, como jurídicas, não teriam a firmeza requerida pelas necessidades sociais da própria convivência; os direitos seriam abandonados a constantes incertezas; a lei não seria mais instrumento de defesa mas artifício destinado a destruir relações jurídicas já fixadas e, como lei nova, puniria quem, conformando-se com as normas jurídicas, tenha praticado um ato sob a lei anterior, isto é, tirar-se-ia todo o efeito do ato que, por ser conforme à lei, deveria, ao contrário, ser tutelado por ela” (apud E. ESPÍNOLA, ob. e vol. cits., p. 225/6).

Para por uma pá de cal, pedimos vênia para recordar a magnifíca lição de RUGGIERO, que se aplica como uma luva à hipótese vertente: “Não há, propriamente, uma regra de irretroatividade, da qual constitui exceção a retroatividade: há dois princípios paralelos, segundo um dos quais a lei antiga, ainda que abrogada, continua a governar os fatos que se verificam sob o império da lei nova; o outro, ao contrário, quer que a lei nova atinja os fatos passados, disciplinando-os de modo novo, no todo, ou em parte. O fato realizado, em si e nos seus efeitos, ainda que futuros, deve ser regido em certas matérias — principalmente nas em que predomina a autonomia da vontade, o interesse privado, pela lei antiga. Em outras matérias, nas em que é preponderante o interesse do Estado, a ordem pública, deve receber aplicação a lei nova” (Instituições de Direito Civil, 1929, 5ª ed., vol. I, p. 166), sob pena de, adverte EDUARDO ESPÍNOLA, a lei nova ser considerada: “… causa de incerteza e de falta de segurança dos direitos” (idem, p. 226). Autor(es) : Jorge Lobo

Estudo sobre as ações preferenciais.

Aplicação do artigo 17 da Lei 6404/76


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