Destituição de administrador de companhia aberta
Publicado por Escritório Jorge Lobo em 25/03/2021
Jorge Lobo*
As leis de sociedades por ações de inúmeros países em todos os continentes preveem a destituição de membro do conselho de administração, a qualquer tempo, por manifestação unilateral e discricionária de vontade do controlador na assembleia geral de acionistas, segundo pesquisa disponível no site diapiperintelligence.com,sob o título “Removal of directors or officers around the world”.
E, mais: sem pré-aviso, sem ouvi-lo, sem explicação, sem justificativa, direito ao contraditório, sem justa causa, direito ao contraditório, sem direito de defesa, sem direito à indenização e insuscetível de judicialização, por se tratar de um “direito potestativo” (para alguns, “direito absoluto”) do controlador, salvo se houver prova de vício formal, inobstante possa a destituição vir a constituir-se em flagrante modalidade de desvio de finalidade, e venha causar irreparáveis danos morais e patrimoniais ao defenestrado.
GeorgesRipert e René Roblot (Traité, L.G.D.J, 10a. ed., tome I, p. 783) afirmam que “la règre est mauvaise” (“a regra é má” em tradução literal), isto é, “apresenta uma imperfeição essencial” (em tradução técnica, consoante Le Petit Robert – Dictionnaire de la Langue Française, p. 1.591), resquício da concepção contratual da sociedade anônima, que considera o administrador um “mandatário revogável”.
Na Europa, alguns países, após severa revisão crítica da matéria, mudaram de orientação, como, por exemplo, na Alemanha, a AktG, no § 84 (3), só permite a destituição por “justa causa”, ou melhor, “justa causa relevante”, e, ademais, estabelece que ela deve ser fundamentada em causas objetivas, tais como, v.g., violação grave dos deveres a que o administrador está adstrito, incapacidade para cumprir suas funções e perda da confiança da assembleia geral; se não restar provada justa causa pela companhia, a destituição será declarada ineficaz e o administrador reassumirá o seu cargo.
Na França, a norma do art. L. 225-18 do Código de Comercio é de ordem pública e a demissão ou revogação (“démission ou révocation”) ad nutum, direito absoluto dos acionistas; todavia, a jurisprudência tem decidido ser devida indenização se ficar provado que a revogação foi precipitada ou com circunstâncias injuriosas ou vexatórias, que prejudiquem a reputação do dirigente (CA Paris, 30.06.2.016, in Rev. Soc. 2.016, p. 743).
Na sociedade com diretoria e conselho de vigilância, impera o direito à indenização na falta de justo motivo (“juste motif”) (Código Comercial, art. L. 225-61), sobrelevando notar que Corte de Cassação reputa abusiva a destituição sem que se confira ao administrador o direito ao contraditório e à ampla defesa (Cass. Com., 14.05.2.013, nº 11-22-845, préc. nº 11, entre outros).
Em Portugal, vigora a livre revogabilidade (Código das Sociedades Comerciais, art. 403º/15), mas, se não caracterizada justa causa, definida no CSC, art. 403º/4, o administrador tem direito à reparação civil (CSC, art. 403º/5); em se tratando de membro do conselho fiscal (CSC, art. 419º/1) ou da comissão de auditoria (CSC, art. 423º E/1), só é possível destituição por justa causa.
Entre nós, o art. 140, caput, da LSA é taxativo: o membro do conselho de administração é eleito pela assembleia geral de acionistas e por ela destituível a qualquer tempo.
À vista do art. 14 da Lei das Empresas Estatais (LEE), cabe a indagação: o administrador de companhia aberta de economia mista pode ser destituído por manter-se fiel ao princípio da independência funcional no exercício de suas funções, atribuições e poderes?
Primeiro, frise-se, a destituição ad nutum é anacrônica, obsoleta, retrógrada, herança do Código Comercial francês de 1.807, art. 31º, assaz espancada pela doutrina; é um cutelo, mantido pelo controlador, sobre a “cabeça” do administrador, para constranger, intimidar e tolher o exercício independente de seu cargo; é uma inequívoca demonstração de que, apesar da propalada “democratização das sociedades anônimas”, o controlador pode atuar como “patrão absoluto” (Pailusseau), que não deve e não “presta contas a ninguém” (Champaud) (citados por Modesto Carvalhosa, Saraiva, Com., 4ª. ed., 2º. Vol., p. 489).
Segundo, destaque-se, ciente e consciente do insaciável “apetite” do Executivo de interferir nas empresas públicas, o legislador da LEE, através da norma do inc. II, do art. 14, criou o dever de o acionista controlador “preservar a independência do conselho de administração no exercício de suas funções”.
A resposta: a destituição de administrador de companhia aberta de economia mista exclusivamente por ele manter-se fiel ao princípio da independência funcional e por negar-se a obedecer às ordens do controlador, constitui violação da LEE por desvio de poder ou finalidade, desvio que se caracteriza, consoante ensina Fábio Konder Comparato, “… pela elusão de disposições imperativas, pela sua observância meramente aparente, frustrando-se a finalidade da norma” (O poder de controle na SA, Forense, 4ª. ed., p. 382, nº 118), isto é, não conseguindo “vergá-lo”, demite-o, na assembleia geral, em estrita observância da forma, porém, com clara ofensa ao espírito da lei.
*Jorge Lobo é mestre em direito empresarial pela UFRJ, doutor e livre-docente em direito comercial pela UERJ, procurador de Justiça (aposentado) do MP-RJ e advogado
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