Governança Corporativa
Publicado por Escritório Jorge Lobo em 03/07/2001
“A era dos acionistas passivos, dispersos e desinformados está prestes a acabar” (William Dale Crist)
Na primeira quinzena do mês de abril, enquanto, nos EUA, dos US$ 6 trilhões aplicados nos mercados financeiros e de capitais, 51% correspondiam a investimentos em fundos de ações, no Brasil, a indústria de fundos de ações girou em torno de R$ 21 bilhões e a de fundos de renda fixa em cerca de R$ 285 bilhões.
Ao que se deve essa diferença de mais de 1.350% entre os fundos de ações e os de renda fixa ou, dito de outra forma, porque os fundos de ações representam apenas 6,74% do total dos investimentos no mercado de capitais, enquanto, no EUA, somam 51%?
Ao conservadorismo do investidor nacional? Ao nosso incipiente mercado de ações, em que os recursos financeiros disponíveis de pessoas físicas e jurídicas estão concentrados em papéis de poucas dezenas de companhias de capital aberto, dentre as quais apenas quatro têm permanente e certa liquidez? Ao fato de minoritários e preferencialistas serem tratados, pela Lei das Sociedades Anônimas, consoante o emérito Modesto Carvalhosa, como “acionistas de segunda classe”, ou, segundo Scheinkman, serem “roubados pelas empresas”?
Sobre nosso conservadorismo, com a palavra historiadores e sociólogos; sobre nosso embrionário mercado de ações, digam economistas e analistas financeiros; sobre os direitos, deveres e responsabilidades de acionistas controladores, minoritários e preferencialistas, permitam-me breves considerações.
As empresas pátrias, para enfrentarem a concorrência das multinacionais em todos os campos de atividade, precisam estar (altamente) capitalizadas; para capitalizarem-se, dependem de um eficiente mercado de ações; para o mercado de ações tornar-se eficiente, é mister que, na BOVESPA, sejam negociadas ações de companhias que mereçam a confiança dos investidores; para conquistarem a confiança dos investidores, as companhias devem não apenas produzir lucros, fim último de suas atividades sociais e, até mesmo, de suas existências, e terem os seus papéis valorizados nos pregões diários, mas também, quiçá principalmente, reconhecerem e respeitarem os direitos dos investidores em ações.
Porém, se têm razão Carvalhosa e Scheinkman, nacionais e estrangeiros ao mercado brasileiro de ações? Como atrair o interesse, conquistar a confiança e obter a maciça adesão dos investidores?
Criando uma nova cultura sobre investimentos em ações; exigindo uma nova postura de controladores, minoritários e preferencialistas na defesa de seus direitos e interesses; enfatizando que os interesses da empresa estão acima dos interesses individuais de seus acionistas; evidenciando que, quanto mais forte, competitiva e rentável a companhia, mais haverão de lucrar seus acionistas, independentemente do tipo de ações que possuam. Contudo, como atingir esses objetivos sem depender de uma nova reforma da Lei das S.A., que sempre põe em campos opostos controladores, minoritários e preferencialistas? A primeira providência prática seria criar-se um forum de debates, a exemplo do que ocorreu na Inglaterra em 1991/2, com a formação da Comissão Britânica Cadbury, e nos EUA, no âmbito do American Law Institute, os quais, em virtude (a) da rápida globalização dos mercados financeiros e de capitais e do crescimento do número dos investidores institucionais; (b) da conscientização de que os dirigentes das empresas tiravam vantagens pessoais e enriqueciam em detrimento de acionistas, empregados e credores; (c) da multiplicação de escândalos financeiros e bancarrotas de grandes grupos industriais e financeiros, concluíram pela imperiosa necessidade da instituição de princípios básicos de como deve ser a administração de uma companhia aberta, reunidos sob o título de “corporate governance”.
Quem poderia integrar, no país, esse forum de debates?
Representantes do IAB – Instituto dos Advogados Brasileiros, do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, das Escolas de Magistratura de diversos Estados, dos Departamentos de Direito Comercial de nossas principais Faculdades de Direito, da BOVESPA – Bolsa de Valores do Estado de São Paulo, do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, da CVM- Comissão de Valores Mobiliários, da ANIMEC- Associação Nacional de Investidores do Mercado de Capitais, da ABAMEC- Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais, da ABRASCA- Associação Brasileira das Companhias Abertas, entre outros. Quais as questões que poderiam ser examinadas nesse forum?
(a) a separação da administração do controle da sociedade anônima; (b) a composição, organização e funcionamento do conselho de administração e a obrigatoriedade de informar e prestar contas periodicamente aos acionistas sobre decisões de relevante interesse para a companhia; (c) os conflitos entre acionistas e gestores, eis que, por vezes, os dirigentes maximizam suas funções, remunerações e bônus em detrimento dos dividendos, enquanto, em outras, os acionistas apenas se preocupam com a percepção de lucros; (d) a capacidade dos acionistas influenciarem as decisões do conselho de administração e da diretoria; (e) o acúmulo de mandatos dos administradores; (f) a divulgação, no relatório anual, da remuneração e das gratificações dos dirigentes, inclusive a de seus antecessores; (g) a descrição precisa dos objetivos e estratégias da empresa, com ênfase para os riscos e mecanismos de segurança e de auditoria; (h) a efetiva proteção dos acionistas minoritários e preferencialistas, inclusive a estes assegurando direito de voto; (i) a garantia da plena autonomia dos membros do conselho fiscal, com a instituição de comitês de auditoria verdadeiramente independentes; (j) a transparência das informações sobre os negócios sociais ao público em geral de forma clara, exata e acessível; (l) as ofertas públicas de alienação e de compra do controle; (m) a adoção de código de boa conduta, fundado nos princípios da abertura, integridade e responsabilidade, etc. Quais as finalidades últimas desse forum?
Provocar mudanças no modo de controlar e administrar as companhias, para obter melhores performances econômicas e financeiras e mais transparência das informações aos acionistas e ao mercado em geral, e compelir as autoridades a reverem os sistemas sobre o governo das empresas e adaptá-los a um mercado globalizado, altamente competitivo, com destaque para o papel dos investidores institucionais.
Por fim, anote-se que, no Brasil, embora a “luta” não se dê entre administradores e acionistas, como no exterior, mas, sobretudo, entre controladores, as mais das vezes exercendo também funções administrativas, de um lado, e minoritários e preferencialistas, de outro, os princípios da governança corporativa podem ser úteis e eficazes também no país, porque, creio, com William Dale Crist, Professor de Economia da Universidade do Estado da Califórnia, que “the twentieth century era of shareholder passivity based on dispersed, uninformed corporate ownership is coming to a close”. (“Good Corporate Governance and Communication with Institutional Shareholders”, Corporate Governance: Legal aspects, method, responsabilities. Paris, Montchrestien, 1997, p.42). Autor(es) : Jorge Lobo
A importância da Governança Corporativa para as sociedades brasileiras.
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